quarta-feira, 9 de maio de 2012

DIAS DE "BUSÃO"


Simon - www.pinterest.com

A gente precisa deixar o carro em casa e andar de ônibus, pra ver o mundo. Quem anda direto de ônibus vai dizer que a minha apologia a esse transporte é porque eu não me utilizo dele sempre. E vai me cobrar: "ande de ônibus todos os dias, pra você ver!" É... a qualidade do transporte, no país inteiro, não anda lá essas coisas mesmo. (hehe)

É claro que eu poderia usar de um argumento adicional: o ecologicamente correto que é deixar o carro em casa e usar o transporte coletivo. Mas não é esse o meu objetivo, por agora.

Três dias sem o carro, em manutenção, e lei de Murphy: precisei mais dele do que quando o tinha disponível. Solução: ônibus.

Treinei várias virtudes, dentre elas a paciência, a generosidade, a indulgência, a contemplação. Esperar no ponto, dar lugar para os mais velhos, dividir o espaço apertado depois das 18 horas, prestar atenção à paisagem.

E (re)descobri que a gente conhece a cidade de dentro de um ônibus e não na frente de um volante do carro. Aproveitei para prestar atenção nas casas comerciais e descobri que havia algumas que as imaginava em outro endereço.

Da janela alta do ônibus vi algo extremamente curioso: um pé de manga carregado, no pátio de uma igreja. Tudo bem se fosse época. Mas não é!  As mangueiras começam a florir em novembro e as mangas começam a madurar em dezembro. Agora é época de poncãs, tangerinas, mexericas, todas de início do frio. Manga gosta de calor! Bem... tanta coisa está mudada hoje em dia! Acho que até as mangueiras estão confundindo seu tempo!

Entro no terminal de ônibus urbano, e mais uma vez fico indignada com a administração da cidade. O horror dos horrores: escadas em estado péssimo de conservação, paredes sujas, escuridão nos guichês, gente tentando vender passagem mais barata do lado de fora das catracas. Deus que me livre, mas é o inferno em vida! E o pior é que a gente acaba se acostumando com o cenário. Já falei aqui, neste blog, do quanto é pernicioso a gente olhar uma parede rachada e se acostumar a ela, sem questionamento algum, sem querer saber o porquê da rachadura, sem querer arrumar, sem querer melhorar. Não falo da questão material apenas. Da espiritual também, na medida em que aceitamos, resignados, que o nosso voto não dê em nada. Que aceitamos ser passados pra trás, ou desconsiderados (talvez seja a melhor palavra), mesmo a gente  pagando os impostos em dia, e em tudo o que é coisa. É aceitar viver com  "mais ou menos", quando a gente tem direito a viver com "mais".

E aí entro no ônibus e vejo o cobrador dando conselhos para uma passageira, e conselhos muito bons! De que a vida é cheia de problemas mesmo, mas que a gente nem por isso pode desanimar. Não é isso que Deus espera da gente. Que temos que reagir. A passageira ouve aquele homem, com atenção total. Mas é claro: ele tinha palavras confortadoras pra dizer, coisa que muito douto nas palavras não tem. Logo depois, a passageira desce em um dos pontos, com um agradecimento que me pareceu muito sincero. E lá diz o mesmo cobrador, num papo que engatou com outra passageira: “A vida é uma bola, senhora! Nós chuta pra cima, nós chuta pra baixo. Só Deus na causa!”. Vou descer, e já estava na porta quando o cobrador olha pra mim e me diz: “Vai com Deus!”  E eu que nem tinha conversado com ele, só estava prestando atenção, ainda saí abençoada! (hehe)

Já era passado das 18 horas, estou no ponto de ônibus, aguardando há mais de 20 minutos pelo que passa em frente do meu prédio. O ônibus chega e está simplesmente lotado. Entro, passo a catraca e qual a minha surpresa quando um rapaz se levanta e me cede o lugar. Não havia necessidade, uma vez que eu carregava apenas uma agenda e a bolsa. Mas diante da insistência dele e diante de que ele me justificou que eu estava com uma bolsa grande, e ficaria mais confortável sentada, aceitei. Pra quem estava cansada de ficar em pé no ponto de ônibus, e o destino (teoricamente) seria ficar mais um tempo ainda dentro do ônibus, foi surpreendente e maravilhoso o que aconteceu. Ainda existem cavalheiros! (hehe)

Sem contar o que amo fazer: ouvir estórias. E não há lugar melhor do que dentro de um ônibus. Prestar atenção em gente é algo ímpar. Dá pra fazer uma análise da nossa vida, a partir das estórias que ouvimos! Aliás, falávamos sobre isso, ontem, eu e minha irmã.  A gente precisa olhar para os lados, ouvir os outros, até para valorizar o muito que a gente tem de bom na nossa vida. Sim, porque as estórias que nos trazem lições são as de pessoas que têm menos que a gente, ou que estão passando por problemas maiores que os da gente, ou que se dispõem e se expõem em contar suas mazelas, ou que se abrem sem medo de serem criticadas, ou que são autênticas. E só sabemos disso quando nos dispomos a ouvir, com ouvidos de ouvir.

E nesses três dias de muitos ônibus, relembrei os tempos de faculdade, em que não tinha carro, e morava na capital. Deslocamento demorado, ônibus sempre cheios, mas que foram anos maravilhosos da minha vida. Voltava com a minha turma de amigos, amigos estes que tenho contato até hoje. Fora que me orgulho de poder dizer de onde vim e onde cheguei, andando de ônibus. Sabe, a gente não pode perder nunca de vista o caminho do nosso progresso, material e espiritual. Olhar pra trás e ter a medida do quanto crescemos. De podermos dizer, com orgulho: "hoje posso andar de carro, porém, cheguei aonde cheguei pegando ônibus!"

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