segunda-feira, 23 de abril de 2018

Dia Mundial do Livro (2)


Dentro do livro

tem partida
tem viagem
tem estrada
tem caminho
tem procura
tem destino
lá dentro do livro

tem princesa
tem herói
tem fada
tem feiticeira
tem gigante
tem bandido
lá dentro do livro

quanto mito
quanta lenda
quanta saga
quanto dito
quanto caso
quanto conto
lá dentro do livro

tem tragédia
tem comédia
tem teatro
tem poesia
tem romance
tem suspense
lá dentro do livro

tem passado
tem presente
tem futuro
tem moderno
tem o velho
tem o novo
lá dentro do livro

tem verdade
tem mentira
tem juízo
tem loucura
tem ciência
tem bobagem
lá dentro do livro

tem estudo
tem ensino
tem lição
tem exercício
tem pergunta
tem resposta
lá dentro do livro

quanta regra
quanta norma
quanta ordem
quanta lei
quanta moral
quanto exemplo
lá dentro do livro

tem imagem
tem pintura
tem desenho
tem gravura
tem estampa
tem figura
lá dentro do livro

tem desejo
tem vontade
tem projeto
tem trabalho
tem fracasso
tem sucesso
lá dentro do livro

quanta gente
quanto sonho
quanta história
quanto invento
quanta arte
quanta vida
há dentro de um livro!

[Ricardo Azevedo]


(*) Publicação do Facebook deste blog.

Dia Mundial do Livro (1)



"Os livros que amo não me deixam. Caminham comigo." [Rubem Alves]

Livros fazem-me companhia desde sempre!
Não imagino minha vida sem eles! Alimentam minha alma!


Viva o Dia Mundial do Livro! 

(*) Publicação do Facebook deste blog.

domingo, 15 de abril de 2018

"Clareira" — Adélia Prado


Seria tão bom, como já foi,
as comadres se visitarem nos domingos.
Os compadres fiquem na sala, cordiosos,
pitando e rapando a goela. Os meninos,
farejando e mijando com os cachorros.
Houve esta vida ou inventei?
Eu gosto de metafísica, só pra depois
pegar meu bastidor e bordar ponto de cruz,
falar as falas certas: a de Lurdes casou,
a das Dores se forma, a vaca fez, aconteceu,
as santas missões vêm aí, vigiai e orai
que a vida é breve.
Agora o destino do mundo pende do meu palpite,
quero um casal de compadres, molécula de sanidade,
pra eu sobreviver.

["Clareira", Adélia Prado]


(*) Publicação do Facebook deste blog, nesta data.

sábado, 14 de abril de 2018

Dia Mundial do Café


Você conversa com uma tia, num quarto.
Ela frisa a saia com a unha do polegar e exclama:
"assim também, deus me livre".
De repente acontece o tempo se mostrando,
espesso como antes se podia fendê-lo aos oito anos.
Uma destas coisas vai acontecer:
um cachorro late,
um menino chora ou grita,
ou alguém chama do interior da casa:
"o café está pronto".
Aí, então, o gerúndio se recolhe
e você recomeça a existir.

["Epifania", Adélia Prado]

Hoje, 14 de abril, é o Dia Mundial do Café! Viva!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Como os campos


Preparavam-se aqueles jovens estudiosos para a vida adulta, acompanhando um sábio e ouvindo seus ensinamentos. Porém, como fizesse cada dia mais frio com o adiantar-se do outono, dele se aproximaram e perguntaram:

— Senhor, como devemos vestir-nos?
— Vistam-se como os campos - respondeu o sábio.

Os jovens então subiram a uma colina e durante dias olharam para os campos. Depois dirigiram-se à cidade, onde compraram tecidos de muitas cores e fios de muitas fibras. Levando cestas carregadas, voltaram para junto do sábio.

Sob seu olhar abriram os rolos das sedas, desdobraram as peças de damasco, e cortaram quadrados de veludo, e os emendaram com retângulos de cetim. Aos poucos foram recriando em longas vestes os campos arados, o vivo verde dos campos em primavera, o pintalgado da germinação. E entremearam fios de ouro no amarelo dos trigais, fios de prata no alagado das chuvas, até chegarem ao branco brilhante da neve. As vestes suntuosas estendiam-se como mantos. O sábio nada disse.

Só um jovem pequenino não havia feito sua roupa. Esperava que o algodão estivesse em flor, para colhê-lo. E quando teve os tufos, os fiou. E quando teve os fios, os teceu. Depois vestiu sua roupa e foi para o campo trabalhar.

Arou e plantou. Muitas e muitas vezes sujou-se de terra. E manchou-se do sumo das frutas e da seiva das plantas. A roupa já não era branca, embora ele a lavasse no regato. Plantou e colheu. A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se. O jovem pequenino emendou os rasgões com fios de lã, costurou remendos onde o pano cedia. Quando a neve veio, prendeu em sua roupa mangas mais grossas para se aquecer.

Agora a roupa do jovem era de tantos pedaços, que ninguém poderia dizer como havia começado. E estando ele lá fora uma manhã, com os pés afundados na terra para receber a primavera, um pássaro o confundiu com o campo e veio pousar no seu ombro. Ciscou de leve entre os fios, sacudiu as penas. Depois levantou a cabeça e começou a cantar.

Ao longe, o sábio que tudo olhava, sorriu.

["Como os campos", Marina Colasanti]